quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio se dedica a criar empregos de cobrador

Há algo de podre no modo como o Brasil trata o desperdício de tempo.


Pouca
gente se dá conta que, quando se mede a prosperidade nacional através
do PIB, estamos falando de um fluxo de valor adicionado durante
determinado período de tempo, geralmente um ano.

Sabemos que a
renda per capita do brasileiro foi de R$ 30,4 mil no ano de 2016, o que
equivale a cerca de 25% da renda per capita americana. Isso é o mesmo
que dizer que, em média, um americano produz quatro vezes mais que um
brasileiro durante um ano. O Brasil parece não se preocupar muito com o
tempo perdido ou com a produtividade, a julgar pelo noticiário recente.

No
município do Rio de Janeiro, por exemplo, a Assembleia aprovou o fim da
dupla função do motorista de ônibus, com isso revivendo a figura do
cobrador (isso foi aprovado com 40 votos a favor e um solitário voto
contrário do vereador Leandro Lyra, do Partido Novo). Os autores do
projeto estimam que 5 mil empregos serão criados pela medida.

O
papel-moeda está em vias de extinção e o Rio de Janeiro se dedica a
criar empregos de cobrador, o que é mais ou menos como proibir o Uber
para atender aos taxistas, ou proteger indústrias que eram “nascentes”
cinquenta anos atrás.

A lógica torta dessas medidas é semelhante à
de uma ideia antiga e errada, pela qual a redução da jornada de
trabalho faz aumentar o emprego (ou elevar o salário, via remuneração de
horas extras). Na verdade, a redução na jornada funciona exatamente
como uma redução de produtividade (um ano passa a ter menos horas
trabalhadas, portanto, menos produção, como se tivéssemos mais
feriados). E, se as horas são mantidas e apenas se tornam mais caras, é
como se o governo criasse um imposto sobre o emprego, o que obviamente
diminui a produção.

Nossa legislação trabalhista não tem como
foco a produtividade, e por isso cria muitas distorções, que é preciso
urgentemente rever. O tempo está passando, a China e a Coreia estão
crescendo, e o Brasil está ficando para trás.

O tempo perdido
também tomou conta da legislação tributária de forma devastadora. No
ranking de ambiente de negócios feito pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa
a posição 125 em 190 países, um vexame. Pior ainda: em um dos quesitos
dessa avaliação, o dos impostos, o Brasil está na posição 184 em 190
países e não é por que a carga tributária seja tão alta, mas por que uma
empresa de 60 empregados gasta em média 1.958 horas (81,5 dias) anuais
para pagar os tributos e cumprir as obrigações acessórias.

Não há nada parecido com isso em nenhuma parte do planeta. É a Copa do Mundo em matéria de tempo desperdiçado.

Para
completar o quadro, o Banco Mundial publicou dias atrás um relatório
histórico sobre um assunto que interessa a todos: o gasto público.

O
relatório identifica inúmeras “ineficiências”, que alguns descreveriam
como “absurdos”, a soma das quais ultrapassando 7% do PIB, podendo
chegar a 8,5%. Em dinheiro de hoje estamos falando de R$ 400 bilhões de
potenciais economias decorrentes de cortes e reformas associadas a essas
ineficiências.

A cifra é assustadora, mas não surpreendente,
pois é da mesma ordem de grandeza da deterioração no superávit primário
ocorrida na vigência da “Nova Matriz”. O que me preocupa é o conselho do
Banco Mundial, cauteloso como sói acontecer com organizações
multilaterais, pelo qual essas economias devam ser buscadas gradualmente
até 2026.

Da parte deles, esta exasperante falta de pressa, na
verdade, é pura delicadeza. Nós é que devemos nos perguntar por que,
afinal, devemos tomar 10 anos para acabar com R$ 400 bilhões mal gastos?


Os sentimentos nacionais com relação aos taxistas e cobradores,
bem como para os detentores de privilégios e sinecuras identificados
pelo Banco Mundial são muito confusos, incluindo o medo e a compaixão.
Mas a principal razão de nossa apatia diante das dores do progresso
parece mesmo ter a ver com um traço do caráter nacional que Machado de
Assis atribuiu ao Conselheiro Aires: “Tinha o coração disposto a aceitar
tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia”.




PERCA TEMPO - O BLOG DO MURILO: O tempo perdido - GUSTAVO FRANCO

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